Embora o órgão Hammond tenha sido criado no início dos anos
30, seu conceito básico foi idealizado muitos anos antes. Laurens Hammond
desenvolveu seu instrumento musical baseado no design do “Cahill Telharmonium”.
O Telharmonium produzia seu som através do movimento de rodas de tom metálicas
(“metal tone wheels”) em frente a bobinas magnéticas. Assim que a superfície
irregular da roda passava perto do magneto, era produzida uma corrente elétrica
variável. Uma das desvantagens do Telharmonium era o tamanho do gerador de
tons: alguns vagões de carga (!) eram necessários para movê-lo.
Laurens havia desenvolvido um motor síncrono entre os anos 20
e 30, e o usou com sucesso numa linha de relógios elétricos. Um motor síncrono
mantém a sua velocidade de rotação constante usando como referência a
freqüência de sua fonte de alimentação AC. Se a fonte consegue manter uma
freqüência constante de 50 (ou 60) Hz, então o motor irá sempre girar na
velocidade correta. Esse processo permitia ao “relógio Hammond” trabalhar de
forma bastante precisa.
Durante a Grande Depressão dos anos 30, o mercado de relógios
sofreu uma queda e Laurens teve a necessidade de buscar outra aplicação para
seu motor. Inicialmente desenvolveu uma mesa de bridge com distribuição
automática de cartas, mas as vendas foram fracas.
Em 24 de abril de 1934, Laurens Hammond recebeu o número de patente 1.956.350 por um “Instrumento Musical Eletrônico”. Descrevia o princípio básico de design para criar um som resultado da combinação de um número de ondas senoidais de diferentes picos/amplitudes. Em conjunto com seu motor síncrono havia uma série de engrenagens (ele era um inventor de relógios originalmente), molas, eixos-motores e rodas de tom possuindo pontos de alta em 2, 4, 8, 16, 32, 64 e 128. Quando as rodas de tom eram giradas na velocidade correta, a onda criada estava dentro de milhares de um ciclo do valor teórico de uma escala suave equivalente. Interessante observar que os tons em “lá” eram todos corretos, enquanto todas as demais notas variavam um pouco de seus “valores fundamentais”. 91 rodas de tom cobriam um alcance de 32 a 5.920Hz.
Os 91 tons eram ligados às teclas através de barras de
direcionamento (“bus bars”) e chaveadas por meio de uma bateria de acionadores
(“keyswitches”). Cada tecla pressiona um dispositivo (“pusher”) que controla 9
acionadores, um para cada barra de acoplamento. É através da constante conexão
e desconexão desses acionadores que o órgão Hammond apresenta uma de suas
características: o “estalido” das teclas.
O motor
síncrono permitia a Laurens se vangloriar de que seu órgão nunca precisaria ser
afinado, embora se a freqüência da rede elétrica tivesse uma fraca
estabilidade, certamente o órgão ficaria fora do tom dos demais instrumentos,
apesar de continuar em tom consigo mesmo.
Houve
inúmeros aprimoramentos até o mesmo começar a ser produzido. Um motor de
ignição foi adicionado para substituir a manivela utilizada para trazer o
gerador de tom à velocidade desejada; os teclados foram aumentados e
padronizados em 61 notas, e os pedais de graves foram fixados em 25 notas.
Diz a lenda que o Sr. Hammond viajou pelo país observando órgãos de igreja e notou que na maioria dos casos os pedais mais desgastados eram os mais graves. À época, painéis radiais côncavos com pedais de 32 notas eram o padrão. Laurens imaginou que os custos para a produção em larga escala de um sistema seguindo esse padrão seriam muito altos, e então simplificou o mesmo para uma unidade radial plana de 25 notas. Em muito pouco tempo, seus pedais fora do padrão acabaram virando o novo padrão, pelo simples fato de que um grande volume de órgãos foi fabricado e enviado seguindo esse novo modelo.
O primeiro modelo fabricado, Modelo A, foi introduzido em 1935, e o de número de série 1 hoje reside no Smithsonian Museum. Todos os órgãos Hammond produzidos desde então até o meio dos anos 60 usaram exatamente esse mesmo mecanismo, com pequenas modificações. O fato de que milhares desses órgãos estão ainda em uso até hoje é um testamento da alta qualidade de seu design e perícia.
Quais as diferenças entre um órgão B3
e um C3?
Há 3 detalhes que diferenciam um B3 de um C3: o banco, o gabinete do órgão em si, e os pedais de grave do B3, que possuem um descanso para calcanhar fixado. Os componentes eletro-mecânicos são exatamente os mesmos. Normalmente o que ocorria era o seguinte: uma série de órgãos B3 era produzida, seguida por uma série de órgãos C3, e assim por diante. As partes internas produzidas poderiam acabar tanto num B3 quanto num C3.
Os órgãos RT3 (modelo de órgão Hammond para concertos) foram também incluídos nesse “mix” de produção, mais uma vez utilizando os mesmos componentes básicos do B3, porém com alguns itens adicionais destinados a servir a um organista “mais sério”, de música dita “erudita”. Em 1959, Laurens introduziu a série A100, que incluía um alto-falante e amplificador no console. Mais uma vez, apesar de pequenas mudanças em componentes de pré-amplificação e acionador de “vibrato”, as partes internas eram similares àquelas encontradas nos órgãos B3.
Laurens nunca pretendeu (ou pelo menos nunca previu) que seus órgãos viessem a ser utilizados por músicos profissionais. Sua invenção era destinada a igrejas, embora obviamente fosse vendida para qualquer pessoa que pagasse seu preço. Não se pode afirmar que a Hammond tenha em algum momento patrocinado algum artista (apoio em turnês), mas se o fez foi no final dos anos 70 quando as coisas já estavam se desmantelando.
Mais tarde, Hammond acabou chamando os Modelos “B” de “modelos caseiros” porque se podia enxergar as pernas do músico trabalhando os pedais. Os modelos “C” e “RT” possuíam um painel “de recato” na traseira, supostamente instalado de forma que organistas femininas não precisassem se preocupar com o fato de estar vestindo saia enquanto tocavam. Uma curiosidade não confirmada em relação aos códigos dos modelos, seria o fato das letras “B” e “C” fazerem referência às palavras “blues” e “church”, respectivamente, já que além dos motivos antes mencionados, o modelo “B” era o mais utilizado por organistas que tocavam em grupos de blues e jazz e o “C”, o mais comum em igrejas.
Em termos de tamanho e peso, o B3 e o C3 são comparáveis. O C3 pesa um pouco mais em virtude justamente do acréscimo de madeira necessário à colocação dos painéis laterais e traseiro. Normalmente o peso real de um B3 gira em torno de 135kg, enquanto que um C3 pesa pouco menos de 150kg, sem incluir banco e pedais.
A caixa rotativa Leslie
O jovem em questão era Don Leslie, e sua invenção mais tarde ficou conhecida como a “caixa rotativa Leslie”. Basicamente desenhados para uso com órgãos Hammond, esses alto-falantes iriam se tornar (e continuam a ser) um “must” para qualquer músico seriamente disposto a usar um instrumento musical desses.
O resultado do conjunto “órgão Hammond B3 mais caixa Leslie modelo 122” é o clássico som dito “sagrado”, com o qual estamos todos familiarizados. Pode-se ouvi-lo na introdução de “Black Magic Woman” (Santana), ou proeminentemente apresentado em “Green Eyed Lady” de Sugar Loaf, ou durante toda a execução de músicas como “Hold Your Head Up” (Argent) e “Circle Of Hands” (Uriah Heep). O “som de sirene” de um Hammond tocado através de uma Leslie é inconfundível.
Embora a caixa Leslie venha sendo produzida há mais de 60 anos (é atualmente fabricada pela Hammond-Suzuki em Chicago, Illinois, EUA), seus princípios operacionais básicos não foram muito alterados com o passar do tempo.
O que fez a caixa Leslie especial foi o seu método de direcionar o som através de dispositivos rotatórios. O woofer dispara seu som por uma membrana de madeira, enquanto que o “driver” de compressão direciona seu som por uma corneta plástica. Tais dispositivos giram devagar (“chorale”) ou depressa (“tremolo”). Os princípios de som em questão envolvem modulação em amplitude (AM) e em freqüência (FM, conhecida como “Efeito Doppler”). Tanto o efeito AM quanto o FM ocorrem simultaneamente, assim que os dispositivos rotatórios se aproximam e se afastam do ouvinte.
Quando a fonte de som gira na direção do ouvinte, sua velocidade aumenta, causando um acréscimo na amplitude; quando gira na direção contrária, sua velocidade diminui, e por conseguinte há um decréscimo na amplitude. O efeito FM é reconhecível como sendo um som de um trem se aproximando com seu apito soando. O efeito AM gera a sensação do som ficando mais alto e mais baixo, em função da fonte se aproximar ou se distanciar do ouvinte.
Uma típica caixa Leslie incorpora um amplificador tubular de potência de 40 watts, um crossover passivo de 800Hz, um woofer de 15” e um tweeter para altas frequências. Não há nada realmente “mágico” acerca dos seus componentes, embora modelos mais antigos possuíssem woofers Jensen e amplificadores tubulares Tung-Sol, itens que acabaram por adquirir o status de serem “para audiófilos”.
Hammond modelo "A" com duas Leslie - Raridade |
Muito poucas invenções sobrevivem tanto (e bem) quanto às caixas rotativas de Don Leslie. Se imagine usando uma caixa Leslie produzida agora, daqui a 60 anos. Existem muitas caixas “vintage” da série Leslie 31H, dos anos 40, ainda em operação, e sobressalentes podem ainda ser encontrados. Isso é um testamento e tanto, de um jovem que apenas queria incrementar o som de seu órgão Hammond.
Os simuladores
digitais de Hammond
Hoje em dia, o órgão
Hammond continua sendo um sonho de consumo por parte de muitos músicos de jazz,
blues, rock e tantos outros gêneros musicais que utilizam este instrumento em
sua linguagem. Contudo, encontrar uma unidade em perfeitas condições é quase uma
façanha digna de arqueólogo, o que o torna, além de raro, caríssimo.
Em vista disso, os
tradicionais fabricantes de teclados e sintetizadores como Roland, Korg e a
própria Hammond-Suzuki, vislumbraram uma lacuna no mercado e decidiram
desenvolver o que chamam de “simuladores de Hammond”, que nada mais são do que
reproduções do instrumento original através de um sofisticado algoritmo de
modelagem física, o que resulta numa simulação quase perfeita.
Nesses instrumentos,
toda a interface de controle reproduz o painel do Hammond original, com suas
nove drawbars, controles de vibrato, “key click” e “rotary speaker”. Mantendo o
ar “retro”, seus respectivos gabinetes, feitos em madeira ou laminados, fazem
referência estética ao próprio, pois afinal de contas é inegável que o visual
conta muito no charme desse instrumento.
Obviamente os puristas
sempre irão preferir o original, mas diante da impossibilidade de ter “the real
thing” ou por uma questão de portabilidade, esses simuladores desempenham muito
bem o seu papel, já que pesam entre 15 e 20kg, em contrapartida aos 135kg de um
B3. Além do peso reduzido, esses instrumentos já vêm com um simulador interno
de rotary speaker (ou caixa Leslie), o que dispensa mais um componente grande e
pesado, essencial para o som clássico do órgão Hammond.
Porém, de nada adiantaria toda essa iniciativa se o instrumento
não fosse realmente bom e, como prova disso, é endossado por figurões da música
brasileira como Mú Carvalho (Cor do Som), Arnaldo Baptista (ex-Mutantes), Allex
Bessa (Rita Lee, ex-O Terço), Eloy Fritsch (Apocalypse) e vários outros. Além disso,
custa cerca de 1/3 do valor dos similares importados, já que enquanto um VK-8
da Roland beira os R$ 7mil, o TX-5 Classic sai na faixa dos R$ 3mil, tornando,
definitivamente, o som do órgão Hammond acessível para qualquer um.
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